As mudanças propostas por dom Leomar Brustolin em 10 meses como arcebispo

Jaiana

As mudanças propostas por dom Leomar Brustolin em 10 meses como arcebispo
Arcebispo de Santa Maria recebe a imprensa para café da manhã. Foto: Marcelo Oliveira (Diário)

Há quase 10 meses em Santa Maria, dom Leomar Antônio Brustolin, 54 anos, assumiu a arquidiocese do município com o objetivo de escutar a comunidade. Ao chegar, promoveu uma pesquisa de opinião para entender o que os santa-marienses esperavam da igreja católica. A partir dos resultados, tem promovido mudanças que tiveram grandes repercussões na comunidade. Entre elas, está a transferência de padres para outros municípios e da irmã Lourdes Dill, que durante 35 anos comandou o Banco da Esperança e projeto Esperança/Cooesperança.

– As pessoas estranham, acham que é mudança, mas é normal. Qualquer um que assume um novo governo faz alterações – salienta.

Dom Leomar demonstra preocupação com as crianças, os jovens e os “sem religião”, aqueles que acreditam em Deus, porém não são ligados a nenhuma religião. Diz que pretende investir na formação religiosa da juventude, por meio das catequeses, e trabalhar a educação no município.

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Ele também fala sobre os planos para a Basílica da Medianeira, que pretende transformar em um espaço de fé, aos moldes de cidades conhecidas pelo turismo religioso, como Aparecida, em São Paulo.

Dom Leomar também falou um assunto tabu dentro da igreja: as finanças. O arcebispo defende a auto sustentabilidade e diz que gostaria de “gastar mais dinheiro em Bíblia e menos em tijolos”, criticando a valorização dos bens materiais.

Em ano eleitoral, dom Leomar garante que igreja e política não se misturam, e condena a polarização. Ele destaca que segue Jesus Cristo e defende o humanismo integral e solidário:

– Tem que ser corajoso para não fazer concessões.

NOVO PROJETO

O religioso também fala sobre o novo projeto, que será lançado em 18 de junho. É a Casa Papa Francisco, que vai atender pessoas em situação de rua. A iniciativa vai ocupar a sede do antigo Banco da Esperança, e será conduzida pela Fraternidade O Caminho. Segundo o arcebispo, é uma comunidade nova de freis que virão para cuidar especialmente da população que vive nas ruas de Santa Maria, e é inspirado em projetos que o Papa faz no Vaticano:

– Vamos instalar banheiros, chuveiros, lavanderia, refeitório. Se quisermos tirar essa população da rua devemos devolver a eles a dignidade. Não é um atendimento provisório. Eles vão residir aqui, para ajudar Santa Maria. Todos falam, são especialistas em debate sobre a situação, mas poucos fazem por essas pessoas. A cidade tem muito potencial para valorizar o ser humano, mas precisamos trabalhar mais isso. Eles não vão trabalhar sozinhos, vão precisar de ajuda. Já há pessoas falando que querem participar desse mutirão de solidariedade. Mais do que índices e números, são pessoas. Se eu falo de humanismo integral e solidário, não posso deixar isso de lado.

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“Todos os padres sabem que, trocando o arcebispo, as transferências ocorrem”

Diário – Desde que chegou em Santa Maria, o senhor tem realizado mudanças importantes, entre elas transferências de padres. Como foi esse processo?

Dom Leomar – As pessoas estranham, acham que é mudança, mas é normal. Qualquer um que assume um novo governo faz alterações. O dom Hélio (Adelar Rubert), quando eu assumi aqui, ele disse: “eu não fiz as mudanças que precisavam ser feitas, as transferências”. Quando um arcebispo troca, todos os cargos caem, só não cai o ecônomo. Todos os padres sabem que, trocando o arcebispo, as transferências ocorrem. Eu sei que a população estranha, mas é porque não conhecem a prática da igreja, é muito normal. As transferências ocorrem de que forma? Primeiro, eu chamei cada padre aqui na casa e conversei com cada um para saber as expectativas. Para cada um eu perguntava que aptidões ele teria, para que tipo de trabalho, e para que lugares seria possível ir. Fomos conversando. Quais são nossas necessidades? Preocupa-me, acima de tudo, a transmissão da fé com crianças e jovens. Não quero uma pastoral de manutenção, quero uma pastoral de missão, porque é isso que a igreja pede. A manutenção é dizer “não vamos nos incomodar, deixa tudo como está”. Cada vez que a gente altera alguma coisa, gera uma intranquilidade porque as pessoas estão acostumadas com outro ritmo. As transferências ocorreram, agora estamos em um próximo passo, dando as diretrizes e as metas do trabalho. Estamos cuidando da catequese. Essa é a grande menina dos olhos da gente. Uma catequese capaz de formar crianças e jovens para a igreja.

Diário – Ao falar de transferências, não podemos deixar de falar da irmã Lourdes Dill. O senhor pensou em mantê-la aqui, se sensibilizou com a mobilização ou era uma necessidade a transferência?

Dom Leomar – Nós seguimos a prática da igreja. Desde 2007, as irmãs já estavam pensando em transferi-la, como transferimos os padres. Claro que quem está fora da igreja vê só um lado. É inegável o trabalho importante da irmã Lourdes aqui na cidade. Vi a mobilização como normal. Eram pessoas que estavam com medo que o trabalho dela não tivesse manutenção. O primeiro pronunciamento meu foi “nada do que foi feito será desfeito, pelo contrário, vai ser dada a continuidade naquilo que depender da arquidiocese”. Eu não poderia ir contra a congregação, seria uma intervenção muito inadequada. Uma superiora provincial não interfere na transferência de um padre. Se você vir o Código de Direito Canônico seria uma causa muito estranha porque é uma decisão da congregação. O Banco da Esperança teve que ser redimensionado por causa da pandemia. A Casa Papa Francisco vai funcionar onde era o banco. Desfeito esse compromisso com o Banco da Esperança, não teria mais onde ela ficar na arquidiocese. Teria, sim, no projeto Esperança/Cooesperança, mas ele tem uma autonomia. Nesse caso, a irmã não dependeria da arquidiocese, somente da congregação. Não teria como dizer “fica ou não fica”. Não gostamos que tenha causado tanto sofrimento para tantas pessoas. As pessoas esquecem, mas bispos também são transferidos. Eu também não estava aqui. Precisamos entrar em um alargamento da razão, não ficar pensando só na nossa realidade.

Diário – O senhor defende sempre o diálogo?

Dom Leomar – Nenhuma mudança que está ocorrendo é feita sem um conselho. Seja um conselho econômico, pastoral, presbiteral. Alguém tem que assumir a paternidade da mudança e aí cobram tudo em cima do bispo. Mas cabe ao bispo apenas confirmar uma decisão de um conselho. Eu estou há pouco tempo aqui, então preciso escutar muito a realidade. Não tomo decisão sozinho. Até porque não há mais espaço para isso na igreja. Às vezes, a decisão não agrada. Então, é melhor atacar alguém. Mas nunca foi diferente e nem vai deixar de ser. Eu sou uma pessoa comprometida com a causa, não posso ser indiferente, sou fiel à igreja. Se alguém não aceita isso, talvez não compreenda o que é uma igreja católica.

Diário – Existes conversas de que será construído um hotel no Parque da Medianeira. É verdade?

Dom Leomar – É boato. O que há de concreto é que queremos abrir mais o parque para a população. Fizemos um estudo topográfico de como aproveitar bem o parque como um espaço religioso. Quem conhece Aparecida, Guadalupe no México, Lourdes ou Fátima sabe que grandes santuários precisam de espaço em que a pessoa se encontre para oração. Precisamos aperfeiçoar os banheiros públicos, a acolhida, mas hotel não.

Diário – O senhor fala sobre a polarização política. Como isso interfere na igreja?

Dom Leomar – A igreja não permite que nenhum dos seus ministros se identifique com partido político. Eu sigo Jesus. Cada pessoa tem o direito de ser do Grêmio, do Inter, seguir partidos, como cidadão se envolver na política, mas nós ministros não nos envolvemos. Nós sempre vamos ser polêmicos, porque nunca vamos agradar 100% a população. Seremos sempre totalmente contra o aborto e sempre faremos a opção preferencial pelos pobres. Quem vai gostar de nós? Entendeu? Por isso que cada um pode olhar para nós e escolher atacar ou valorizar o que quer. Nós seguimos o evangelho. Tem que ser corajoso para não fazer concessões. Tudo que vier da política para o bem comum, vamos apoiar. Tudo aquilo que precisarmos rever, vamos rever. O evangelho quer vida digna para todos. Meu posicionamento pessoal é: humanismo integral e solidário. Defendemos a dignidade humana de todos. Não tenho nenhum partido, não faço concessões a ninguém, meu absoluto é Jesus Cristo.

Diário – Existe uma crença popular de que a igreja tem muito dinheiro. Além da transparência, quais outras mudanças o senhor trouxe para as finanças?

Dom Leomar – É preciso uma corresponsabilidade na questão econômica. Por isso a implantação do dízimo, como colaboração livre, espontânea e sistemática. Com o tempo, vamos perceber que não podemos viver só de festas. Tornar a máquina administrativa mais simples e ágil e mais de acordo com os compromissos que temos. A igreja, como qualquer outra instituição, tem compromissos sociais e previdenciários, que não podem ser secundarizados. Eu insisto muito na auto sustentabilidade da igreja. A igreja vive de ofertas e doações que merecem ser muito bem administradas. Eu gostaria muito de gastar mais com Bíblia do que com tijolo. Gostaria de trabalhar mais na formação de pessoas e menos na construção de prédios. Gostaria de formar discípulos de Jesus Cristo em vez de gastar em bens materiais. Para poder fazer isso preciso ter a sustentabilidade daquilo que já existe, mas dar esse passo a mais que é formação de pessoas.

Diário – O senhor faz questão de cuidar pessoalmente dos assuntos financeiros?

Dom Leomar – Todos os bispos sempre criaram seus conselhos de assuntos econômicos. Os anteriores também. Todos tinham. Cada arcebispo quando chega monta o seu. Esse conselho é feito de peritos. Todos que estão são peritos em contabilidade, direito, engenharia, administração para que eles possam nos mostrar os caminhos. Precisamos ouvir muito para traçar as metas administrativas. O conselho está previsto no Código de Direito Canônico. Nenhum bispo pode administrar sozinho uma arquidiocese sem esse conselho. Não conseguimos ter uma visão de toda a realidade. Nós precisamos sentar, ouvir, discernir e propor. Todas as decisões que estamos tomando passam por conselho.

Jaiana Garcia, [email protected]

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